Outono: Família, Nostalgia e o Valor da Memória Afetiva

Oi gente, como vocês estão? Quem vem acompanhando o blog nos últimos meses sabe o quanto gosto de autores nórdicos. Países nórdicos englobam a Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Islândia, e as regiões autónomas das Ilhas Faroé, arquipélago da Åland e Groenlândia. Karl Ove Knausgård é norueguês, Outono é seu mais novo livro publicado pela Companhia das Letras.

Outono, de Karl Ove Knausgård

O autor, conhecido pela sua escrita introspectiva traz em sua obra um pai que está ansioso pelo nascimento do próximo filho. Sua esposa está grávida de 3 meses, eles não sabem ainda se é menino ou menina, mas essa espera é o combustível principal de Outono.

“O que faz com que valha a pena viver?”

Karl Ove Knausgård, por meio de capítulos pequenos envolve o leitor em sua vida cotidiana. Pequenas descobertas, alegrias, incertezas, comportamento dos filhos, suas experiências, e o mais interessante, as cartas que escreve ao bebê mostram o quanto a criança está sendo esperada com amor. Retratam uma família que valoriza o tempo juntos.

Uma ode à família e bons momentos

Logo no início do livro o pai descreve seus filhos, contando suas características, e que todos estão à sua espera. O laço afetivo dessa família fica mais nítido a cada capítulo. Sabe aquela família que você teria vontade de fazer parte? Esse é o sentimento que tive.

O pai mostra a importância das pequenas coisas. Sair para pescar, festa com os vizinhos, ir à igreja aos domingos. Esses momentos criam uma memória afetiva nas crianças que as acompanhará até a idade adulta. Exemplo disso é a conversa que tem com uma de suas filhas, num dado momento ela diz “quando eu era mais nova”… É até engraçadinho visualizar uma criança falando sobre seu passado, das lembranças que tem dos pais.

“Essas coisas fantásticas, que você logo há de ver e conhecer, são facilmente esquecidas, e existem quase tantas maneiras de esquecê-las quanto existem pessoas. É por isso que escreve este livro para você.”

Um dos capítulos que me marcou é quando o pai conta sua aventura ao podar o jardim. Ao mesmo tempo que é engraçado (por ele ter quase conseguido matar uma plantinha), é interessante o jeito que compartilha como aprendeu a cuidar das árvores frutíferas, e inclusive promete que o bebê vai nascer quando as frutas estiverem maduras. Sério, é muito poético!

Pequenas situações que nos faz sorrir

Outro capítulo que deixa uma grande lição é sobre fazer xixi nas calças. O pai conta um episódio de quando era adolescente e depois de ter ingerido muito líquido molhou a cama num acampamento. Seu grande medo era alguém descobrir e ele se tornar alvo de piadinhas. No entanto, ele conseguiu sair do seu colchonete, trocar de roupa, pôr uma toalha em cima do xixi e voltar a dormir como se nada tivesse acontecido. Mas, antes de dormir conseguiu dar boas risadas daquela situação. Se não fôssemos “vigiados” o tempo todo, seja pelos vizinhos ou redes sociais, acredito que levaríamos uma vida bem mais alegre. O que acontece hoje, no entanto, é uma constante busca por aprovação.

“… meu avô disse que ver toninhas era sinal de sorte. Ele dizia essas coisas, acreditava em presságios e augúrios, porém mesmo que eu gostasse de ouvi-lo, nem por um instante me ocorreu que pudesse ser verdade. Mas hoje eu acho que era.”

Molduras também traz reflexões implícitas. Diz respeito a regras, obediência, e como adolescentes podem ser rebeldes por não se moldarem a determinadas exigências. Interessante recordar quando eu tinha uns 14/15 anos, talvez mais. Nunca tive um relacionamento muito amigável com meu padrasto, mas o pico das brigas foi na minha adolescência. Ele implicava com tudo. Fazer as unhas no sofá, roupas que vestia, sair para algum lugar. Isso sem contar que meus pais sempre pensavam que eu estava fazendo “algo errado”. Leia-se: beber, usar drogas ou estar com garotos. Pasmem, nunca usei drogas, bebida alcóolica raramente e fui ter um namorado de verdade com 22 anos. Hoje tenho certeza de que eu NÃO era rebelde haha

Crepúsculo, igrejas e um tanto de nostalgia

Além de todas essas cartas, tem uma que deixou meu coração quentinho porque traz um assunto que gosto muito NOSTALGIA. É uma mescla de cartas, mas a principal é sobre igrejas. Enquanto o pai comenta sobre as características das construções antigas (o que gosto de fazer muito quando viajo), relembra como eram as coisas no passado e se questiona porque sente saudades de coisas que não lembra. Como se fossem lembranças de uma outra vida. Confesso que já tive essa sensação algumas vezes, como um dejà’vu.

“A tristeza que sinto não apenas é imotivada, uma vez que não tenho nenhuma vivência do século XIX, como também diminui a minha alegria em relação a tudo aquilo que existe, tudo aquilo que temos…”

Ainda sobre nostalgia, o pai descreve um lindo pôr-do-sol e as cores no céu. Como a casa vai se tornando escura à medida que o sol se põe. Como não é possível mais ver a grama. As janelas conforme as luzes são acesas. E como a sala parece aconchegante com todas as crianças reunidas. O autor me conquistou nessa parte. Eu mesma já vi muitos finais de dias, mas não sei se conseguiria descrever meus sentimentos com tanta precisão.

Infância e memória afetiva

Meus pais se separaram quando eu tinha 3 anos, queria ter recordações dessa época, uma lembrança, ou um simples lampejo. Mas o tempo apagou, ou talvez meu inconsciente devido às brigas. Morei um tempo com meus avós e lembro vagamente. Sendo assim, não tenho uma figura paterna positiva de quem eu me lembre. As lembranças que tenho do meu avô é de quando eu tinha uns 12/13 anos, já não era mais criança. Um tempo tive o sonho dos meus pais reatarem. Mas depois do meu padrasto, percebi que não era mais possível.

“O sentimento natural correspondente é o desejo por aquilo que ainda não existe, pelo futuro repleto de força e esperança que não é impossível, não mantém nenhuma relação com aquilo que foi perdido, mas apenas com aquilo que pode ser conquistado.”

Essa ausência paterna teve bastante influência nas minhas amizades. Tanto que grande parte dos meus amigos eram rapazes. Primeiro, porque os assuntos eram diferentes (e mais interessantes), segundo, porque eles me tratavam como irmã, e isso me deixava confortável. Sinto muita saudade dessa época por sinal. Um deles se tornou padre, o que acho hilário, porque eu quase me tornei freira também 🙂

Impressões finais

Me peguei pensando se meu pai escrevesse algumas cartas para mim, sobre o que ele falaria. O que contaria sobre si mesmo, sobre a casa onde morávamos, sobre minha mãe, a cidade onde nasci, seus sonhos, e como enxergava a vida. De acordo com a minha mãe herdei a inteligência e o gosto pelos estudos dele, o que me orgulha muito. Se tem uma coisa que AMO fazer é estudar. Sou muito curiosa e sempre estou lendo e aprendendo coisas novas. Mas também fiquei com o gênio forte dele haha

Em resumo, Outono foi uma leitura muito rica sob diversos aspectos. Se eu já gostava de autores nórdicos, minha admiração após ler Outono aumentou ainda mais. Você ri, se emociona, relembra fatos da própria vida. E olha para o passado com novos olhos. Além disso, vê sua família sob um outro prisma. Sente nostalgia de alguns momentos, e triste por não ter vivido outros.

Quanto a edição, está lindíssima. Simples, porém deixa a sensação que o mais importante é a escrita do autor. Estou bem ansiosa para ler a continuação dessa série. Se ainda não, coloque na sua listinha desse ano.

Agora me conta, gosta de autores nórdicos? Tem algum para indicar? Conhece Outono de Karl Ove Knausgård ou algum de seus livros? Antes de ir deixe um comentário.

Até o próximo post, Érika ♡

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