Meu irmão caçula

Meu irmão caçula – uma reflexão sobre as diferentes fases do luto

Oi gente, tudo bem? Fiquei muito feliz que vocês gostaram de Madeleine, a HQ do mês passado. Recentemente a Editora Nemo publicou Meu irmão caçula, de Jean Louis Tripp. Uma história triste, marcante, e cheia de reflexões que nos deixa com um nó na garganta.

Se eu pudesse resumir as mais de 300 páginas escritas pelo autor, seria “peso no coração“. Nunca imaginei que me sentiria tão impactada ao ler um relato tão doloroso. É impossível não sentir empatia e tentar entender tudo o que Jean passou durante todos esses anos.

Meu irmão caçula

Jean Louis Tripp, no mais novo lançamento da Editora Nemo, abre seu coração mais de 30 anos após o ocorrido com a intenção de conscientizar outras pessoas e evitar que situações como essa se tornem comuns, banais, ou corriqueiras.

No verão de 1976 Jean e sua família foram passar dias agradáveis no interior da França. Eles escolheram um meio de transporte nada convencional: charretes. As duas charretes seguiam animadas pela estrada, ainda mais pela cantoria de Gilles.

O menino, de 11 anos, não parava quieto. Tanto que ao abrir o armário deixou as panelas caírem e uma delas fez um galo em sua cabeça. Passado o susto, ele senta ao lado de Jean e começa a cantar, tão alto que seu irmão não aguenta e pede para que fique quieto.

Como criança que é fica pulando de um lado para o outro. Num momento ele decide descer da charrete e acompanhar sua mãe que segue logo atrás de bicicleta. Jean fala para ter cuidado, mas num milésimo de segundo passa um carro em alta velocidade e atinge Guilles. Toda aquela alegria, brincadeiras, e diversão das férias simplesmente desapareceu. Seu irmão caçula está morto.

Jean Louis Tripp

As férias de verão que seríam divertidas, agora jaz em silêncio. O motorista segue em alta velocidade e não presta socorro. Eles estão no meio do nada. Sem celular. Sem telefone. A única esperança é encontrar alguém que possa ir à cidade e chamar uma ambulância. Mas é tarde para Gilles.

“Eu parti para o outro mundo pelo caminho mais longo…
… e quando estiveres consolado, a gente sempre se consola,
ficarás contente por me teres conhecido…”

Desse momento em diante Jean viverá em luto eterno. Cada flash o faz lembrar de ter soltado a mão de seu irmão. Essa culpa o corrói e não o deixa viver. Ele simplesmente não consegue viver com essa culpa. Por que não prestou atenção na estrada? Por que não deixou seu irmão descer pelo outro lado? Independente da resposta, nada trará seu irmão de volta.

Quanto ao motorista, um tempo depois foi encontrado, mas a justiça não foi suficiente aos olhos de Jean. Menos de um ano preso e alguns francos pelos danos morais. Quanto vale uma vida? Nenhum dinheiro no mundo conseguiria trazer o sorriso de Guilles de volta.

O que achei da leitura?

Mesmo após alguns dias essa é uma história que machuca, nos entristece, no faz ter compaixão pela família. Ainda mais por saber que é baseada em fatos reais. Guilles realmente sofreu um acidente em 1976, ele foi tirado de sua família com apenas 11 anos, uma criança inocente.

Falar sobre luto é algo que o ser humano ainda não aprendeu, mesmo sabendo que é o curso natural da vida. A alguns anos minha avó faleceu, foi uma tristeza muito grande, principalmente por ter sido ela a cuidar de mim quando meus pais se separaram. Chorei uma semana sem parar. Todo momento que eu lembrava da casa onde ela morava, dos brinquedos que ela me deu, das conversas que me fazia rir, meu coração doía.

Meus avós eram casados a bastante tempo. Depois que ela se foi, meu avô entrou numa espécie de depressão e não sentia motivação para fazer nada. Uma espécie de vazio o acompanhava. Pouco tempo depois ele também faleceu. Foi muito triste. Ele que me ensinou a andar de bicicleta, me levava no parquinho para brincar, comprava doces, e me passeava de carro comigo… um fusca branco.

No ano passado minha outra avó faleceu. Ainda não consegui viajar até lá para “me despedir”, mas sempre que fecho os olhos ouço a voz dela falando com a minha mãe, com minhas tias, ou mesmo gritando para alguém fazer algo. Ela sempre morou na mesma casa, desde que se casou com meu avô, vejo ela no fogão, pendurando a roupa no varal, sentada na varanda colocando café na xícara, lembranças essas que guardo da minha infância.

No ano passado ainda dois amigos meus faleceram. Eram mais novos do que eu. Eram algumas das crianças que brincavam comigo na rua de bet’s, andava de bicicleta, ou subia nas árvores para comer manga. Confesso que foi um choque pra mim as duas notícias. Ainda lembro das crianças sentadas na calçada conversando ou correndo uma das outras brincando de alerta.

Editora Nemo

Independente da idade esse peso, essa tristeza, segue aqui dentro. Ela diminui um pouco, mas nunca desaparece por completo. Durante bastante tempo não consegui falar que minha avó havia falecido, eu sentia como se ela estivesse viajando, ou mesmo em outra cidade. É saudável? Não sei. Mas foi o que me ajudou durante um tempo. Lembro dela fumando cachimbo, preparando a rede, ficando contra a minha mãe quando eu quis entrar para um convento e me tornar freira. Esse foi um acontecimento e tanto!

Consigo compreender porque Jean demorou tanto tempo para conseguir digerir tudo o que aconteceu no passado. Nem sempre é fácil, ainda mais quando somos o tipo de pessoa que guardamos tudo pra nós. Mas acredito que o fato dele ter feito terapia, ter conversado com as pessoas, e ter tentado construir uma carreira foi um bom caminho. Mesmo que ainda hoje ele sinta esse vazio.

Impressões finais

Algumas ilustrações me deixaram bem triste, confesso. Num momento ou outro pensei em deixar a HQ de lado e começar a ler outro livro, mas continuei a leitura e fiquei feliz por isso. Saber como o autor conseguiu vivenciar e superar tudo isso é o ponto alto da história. Entender como a família permaneceu unida apesar de tanta dor deixa nosso coração aquecido.

Outro ponto interessante é perceber como as pessoas vivenciam o luto de forma diferente. A mãe de Jean preferiu o silêncio, seu pai passava dias e dias em seu ateliê desenhando o rosto de Gilles, Dômi ficou recluso, e Jean sentia-se num abismo. Mas todos sentiam a falta do irmão caçula.

Os traços do autor em cada ilustração conseguem mostrar sua dor, sua tristeza, e como foi vivenciar aquele momento ano após ano, sem conseguir encontrar ninguém que o entendesse de verdade. Algumas delas simplesmente não têm texto, mas não precisa, porque o sentimento é perceptível.

Enquanto escrevo essa resenha sinto um peso no coração pois relembro meus avós, meus amigos de infância, e o penso no quanto fazem falta.

Essa foi a minha experiência lendo Meu irmão caçula. Agradeço a Editora Nemo pela oportunidade. E você, já conhecia essa HQ? Conhece o trabalho de Jean Louis Tripp? Conta aqui nos comentários 🙂

Conheça esta outra HQ da editora: Os diários de Amora

Até o próximo post, Érika ♡


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